segunda-feira, 19 de maio de 2008

Berlim enquanto refugio


A Ideia.
A ideia deste projecto nasceu em 2006, quando me desloquei à Alemanha pela primeira vez.
Aterrei em Frankfurt e, entre o aeroporto e a casa, passei por ruas desertas bem iluminadas e organizadas, campos com árvores altas e escuras, alguma neve e frio. Muito frio.
Cheguei em pleno Inverno com -4 ºC, após ter saído de Lisboa com aproximadamente 20 ºC.
O choque térmico provocado pela disparidade entre o clima temperado do meu país e este frio desalento foi tremendo. Imediatamente coloquei-me uma questão simples, que serviu de motivação para o desenvolvimento da ideia-base para este projecto: “Se dormisse na rua num país como este, que sítio escolheria para passar a noite?”.


Um canto de um edifício? Uma estação de metro? As traseiras de um supermercado? Debaixo de uma varanda? Entre dois arbustos? Um banco de jardim?
Apesar de estar instalado numa casa, esta foi a primeira ideia que me surgiu ao chegar à Alemanha, uma ideia que me acompanhou e fui desenvolvendo mentalmente durante os vários meses que ali estive.
Nesse período de tempo produzi uma série de fotografias e desenhos (em anexo) que mostram os locais que elegeria se me confrontasse com o problema de não ter abrigo para passar a noite.

Que locais escolheria e porquê?


O processo de constante raciocínio sobre esta ideia levou-me a querer desenvolver uma complexa teia de razões, motivos e escolhas sobre os vários locais que me podiam proporcionar segurança e abrigo do frio, de preferência secos e abrigados do vento e dos olhares.
Os cerca de 10.000 sem-abrigo da cidade de Berlim passam actualmente por este mesmo processo de raciocínio lógico e difícil. Apercebi-me de que a direcção do vento, inclinação do terreno, barreiras arquitectónicas e espaços esquecidos são, entre outros, critérios determinantes neste processo.
Muitos de nós decerto nunca tivemos que fazer tal julgamento, e este facto motivou-me ainda mais a continuar a pensar sobre o tema da escolha e da sua multiplicidade enquanto ponto de partida para a estruturação do projecto, ao mesmo tempo registando locais com potencial, segundo o meu próprio código de valores, e trabalhando sobre eles.

A minha escolha de um local para me abrigar será a mesma que a de outra pessoa? E porquê? Que princípios e razões me fazem a mim escolher um determinado local em detrimento de outro? O que privilegio quando escolho um local para dormir na rua? A segurança? O frio? Um local duradouro? Procuro uma comunidade de indivíduos com a mesma necessidade? Como defino a beleza arquitectónica e os locais abandonados numa cidade como Berlim? Quem é importante na cidade? Como seria ser sem-abrigo numa cidade com -4 ºC? Como é que as características externas da cidade revelam as almas dos seus habitantes? E em que medida sou eu diferente dos outros residentes da cidade?
Ideias como sobrevivência, apropriação do espaço público e responsabilidade social, bem como a reflexão multidimensional sobre os instintos básicos do Homem, e como se concertam com os lugares, servem de base à minha motivação para o desenvolvimento deste projecto.

Esquema de Trabalho

O objectivo é o de articular todo o trabalho já realizado por mim com o resultado de exercícios levados a cabo por outros indivíduos, levados a resolver o mesmo problema.
Assim, numa primeira fase, pretendo reunir um conjunto de registos fotográficos de lugares com possibilidades de abrigo numa determinada zona de Berlim (a definir). Estas fotografias vão ser pedidas a indivíduos que nunca antes tenham tido necessidade de pensar sobre isto. O requisito deste primeiro grupo de registos será: cada pessoa fotografará sítios onde, na sua opinião e segundo os seus valores, poderiam passar a noite. Esta recolha fotográfica será acompanhada e filmada por mim, e os intervenientes serão entrevistados quanto às suas escolhas e aos seus lugares.



A segunda fase será idêntica, mas com pessoas que têm, ou que já tenham tido, a necessidade real de diariamente procurar refúgio na rua: sem-abrigos ou ex-sem-abrigos.
O objectivo desta primeira fase é o de confrontar o raciocínio lógico com a realidade da experiência adquirida, os argumentos de quem nunca pensou no assunto com a experiência de quem não tem de facto habitação e vê a cidade como uma enorme “selva urbana” imprevisível que diariamente força os seus desalojados a fazer escolhas complicadas.
Os princípios que regem a escolha serão os mesmos para todos? Os sítios serão os mesmos?
A partir desta série de fotografias e entrevistas pretendo criar uma base de reflexão sobre esta realidade e sobre a possível beleza dos espaços esquecidos e abandonados que se podem tornar confortáveis e acolhedores, dependendo das circunstâncias.



As fotografias serão mostradas ao público despidas de qualquer formalismo expositivo.
A discussão a partir de todo este trabalho poderá favorecer a construção social do espaço público. A reflexão sobre a apropriação desse mesmo espaço destaca a existência de certos lugares esquecidos pela maioria da população.
A paisagem edificada torna-se assim um elemento destacado para a formação de práticas sociais marginais. Provavelmente todos esquecerão que viram estas fotografias, mas os lugares, na medida em que são incorporados no seu imaginário, continuarão a construir a imagem da cidade para esses indivíduos. É também através deste imaginário que a sociedade constrói uma imagem de si própria.



Esta primeira fase dar-me-á material suficiente para continuar a trabalhar num registo mais individual, desenvolvendo trabalhos em Desenho, Pintura e Vídeo (instalação) a partir do mesmo tema:
Berlim enquanto refúgio.


Sem comentários: